segunda-feira, 23 de abril de 2012

Leniência jurídica

JM Cunha Santos

Nunca se soube de Justiça mais condescendente com o crime que a justiça brasileira. Não bastasse a infinidade de recursos que, nas mais diversas instâncias, podem protelar uma decisão judicial até a prescrição definitiva dos crimes, principalmente quando se situam no arraial da corrupção, quase tudo é afiançável e pode ser pago com os trocados da leniência legal.

Nada de tão grave aconteceu na justiça maranhense quanto o flagrante que pegou dois assessores do Tribunal de Justiça em ato cuspido e escarrado de concussão. Mas não foi preciso nada além de R$ 6 mil, a título de fiança, para que em menos de 24 horas se desse por incipiente o flagrante e os dois advogados fossem postos em liberdade. Estranhamente, nessas horas, a decantada morosidade da Justiça deixa de existir.

Espera-se por pronunciamentos mais contundentes da Ordem dos Advogados do Brasil, da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, do Ministério Público, da Associação dos Magistrados, do Conselho Nacional de Justiça e de todas as instituições que, no arrastar das correntes de indignação da sociedade maranhense, possam se sentir atingidas pelos desdobramentos, no mínimo surpreendentes, espera-se, das investigações da Polícia Civil.

Por antecipação, os sintomas da impunidade podem ser sentidos em casos como esses: são figuras importantes de castas sociais apartadas os envolvidos; os crimes são afiançáveis e a fiança imputada é quase um benefício judicial; o presidente do Tribunal de Justiça, mesmo constrangido, só é competente para medidas administrativas contra os acusados e até que se concluam os trâmites legais a sociedade ofendida e maculada já será voto vencido no processo.

A bem da verdade, é natural que o Tribunal de Justiça se sinta comprimido entre o dever de expor suas mazelas e a obrigação de punir seus membros, assessores, magistrados, agregados. Mas a sociedade não pode continuar pagando o preço da desconstrução ética e legal do Poder Judiciário. Até porque inocentes podem estar sendo condenados e culpados recebendo os benefícios da inocência.

Esse julgamento, se houver, pode representar um marco na luta contra a impunidade no Maranhão, com efeitos revitalizadores na Justiça de todo o país; um golpe mortal na corrupção no último lugar aonde ela poderia existir.

É devastador o que se tem ouvido sobre a Justiça desse Estado nesses dias que sucederam ao flagrante de funcionários assentados na cúpula do Judiciário. Para quase todos, estamos fora da normalidade legal, constitucional, moral, cívica e o estado de Direito não passa de mera ficção. A sociedade maranhense se constrange, compunge, decai, mas contem sua fúria à espera de que a Justiça julgue e condene a Justiça que contra ela prevaricou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário